Danças urbanas: algumas para se pensar....
Saudações dançantes, caros e distintos amigos.Como poucos sabem, sou pesquisador da temática culturas populares e suas transformações ocorridas no meio urbano, com ênfase em dança. No entanto, sempre tive “um pé atrás” em publicizar minhas pesquisas em espaços virtuais, por se tratar de um formato em que as discussões aparecem de forma apressada e muitas vezes pouco proveitosas no sentido de aprofundamento de debates acerca de temáticas complexas, que são “arremessadas” no mundo virtual e tratadas de maneira superficial e simplista. Diante esse panorama, o idança aparece atualmente como o portal mais flexível e coerente com as empreitadas de nossos artistas. Isto posto, faz sentido e creio ser proveitoso tal espaço para publicizar nossas reflexões, eventos e notícias em dança.Tenho plena convicção de que muitos optam por formatar suas pesquisas e sintetizá-las para que as tornem viáveis ao formato digital como meio de divulgação de seus respectivos trabalhos. Em compensação, lidamos ordinariamente com indivíduos que muito pouco, ou quase nada, pesquisam, mas que descarregam suas tortas e nada embasadas “teorias” em nosso já conturbado e tenso campo da dança.Por esse viés, adotei, ao longo de minha curta trajetória em dança, uma postura política de não inserir minhas reflexões adquiridas via pesquisas nas janelas da web, tendo em vista que se tratam de questões impossíveis de serem enxugadas em três ou cinco páginas.
Ou seja, o texto aqui apresentado trata antes de uma preocupação, de um diagnóstico e de um posicionamento político acerca da dança de rua, e não de uma reflexão oriunda de um estudo teórico-metodológico.Trata-se da existência de um curso de extensão universitária sobre “Danças Urbanas” que foi implementado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) neste segundo semestre de 2009 e comandado pela Cia. Eclipse, representada pela profª. Ana Cristina Ribeiro Silva juntamente com a profª. Holly Elizabeth Cavrell (USA). A realização deste curso me deixou ambiguamente surpreso ao perceber que seu release propõe “uma abordagem teórica e prática onde estudaremos e pesquisaremos os diferentes estilos das danças urbanas”.Por um lado, é interessante perceber e reconhecer que existe uma ampla prática de danças urbanas, em suas diferentes ramificações, em todo território nacional brasileiro, que torna legítima a presença de seus praticantes em ministrar aulas para acadêmicos vinculados às instituições superiores de ensino – mesmo não levando em consideração seus usos, que podem ser desde a mera reprodução por meio de aulas futuras em que essas pessoas poderão utilizar-se deste material, até as interferências cênicas em que se implodem e/ou se manipulam os códigos oriundos das danças de rua em linguagens outras, que historicamente concordamos em aglomerar numa nomenclatura escorregadia, ora específica demais, ora ampla demais, denominada de dança contemporânea. Sendo ambas viáveis e praticáveis em diferentes níveis.Por outro lado, ao atentarmos para a ementa do curso sobre dança de rua ora proposto, percebemos o grande embaraço e falta de reconhecimento do processo histórico que forjou os praticantes da dança de rua ao longo das últimas duas décadas e meia no Brasil. Como assim? Em meados da década de 1980, a sociedade brasileira começou a experienciar um fenômeno, sempre particular e local, que posteriormente recebeu a nomenclatura de dança de rua. Tal manifestação cultural dançante, desde suas primeiras aparições, funcionava numa dinâmica de diálogo com referências corporais múltiplas, tais como: Funk, Soul, Jazz Dance e Break (existem aqueles que preferem falar em contaminação). Cabe ressaltar que tais meios são de matrizes negras africanas, mas que se modificaram no território hoje conhecido como Estados Unidos da América.Todavia, o acesso a essas referências vem de forma fragmentada e pouco estruturada via meios de comunicação de massa e trocas gestuais por meio da observação em bailes realizados nas periferias de todo Brasil. A questão é que: no cenário nacional, existiram pessoas que deram início a essas práticas de forma apropriada, gerando uma estética peculiar, na qual mesclava-se diversas referências de movimentos, pensamentos, vivências, gestos e reconhecimento social via dança. Essa nova forma de dança ganhou visibilidade por meio do circuito de festivais competitivos já em fins da década de 1980. Espaço este que interferiu de forma crucial na formatação e legitimação do que seria a dança de rua no Brasil. Inclusive a nomenclatura Dança de Rua foi instaurada não por seus praticantes, mas por “especialistas” curadores, jurados e toda “rapa” que se fazia sempre presente e notável naqueles festivais.No decorrer da década de 1990, eis que aparece um grupo da cidade de Santos-SP que forneceu uma fórmula do que seria “A” dança de rua. Novamente, quem gera e consolida esse modelo não são seus praticantes, mas os “especialistas”, que por meio de premiações, moções, convites vão gradativamente fornecendo as bases para uma dança de rua “aceitável”, aquela que se aproxima mais dos modelos tradicionais da dança ocidental.Passado esse momento, surge um grupo de pessoas, oriundos da dança de rua, que passa a ocupar os lugares onde se fornecem legitimação estética à dança de rua, dando inicio a cursos, palestras, workshops, realizando apresentações e principalmente, sendo jurados de festivais competitivos. Reforçando cada vez mais o “modelão” da dança de rua.Esse processo gerou uma insatisfação dupla: tanto os “especialistas” quanto os praticantes da dança de rua se voltaram contra esse formato fechado e chapado do que deveria ser a dança de rua no Brasil. Houve uma necessidade mútua, uma busca para tornar possível a renovação dessa forma de dança em nosso território nacional. Entretanto, a falta de estudo, pesquisa, de compreensão dos processos de apropriação cultural, mediação, re-significação, incorporação por ambas as partes, impossibilitou a percepção do processo que já vinha sendo realizada desde início da década de 1980, tornando cômodo, preguiçoso e viável a adoção dos “new models” norte-americanos. Verdadeiros “alcorões” das danças urbanas, onde se encontra nomenclaturas, tutoriais, enfim, danças urbanas formatadas, fechadas e passível de reprodução. Convidamos seus “messias”, exaltamos seus “santos”, abrimos espaços para seus “apóstolos” brasileiros pregarem a palavra sagrada do hip hop. Como é lindo ver um Freestyle, New School, Krump, B.boying, Locking, Popping tudo muito bem organizado e bem acabado. Agora estamos embasados teoricamente e corporalmente para oferecermos um curso de extensão universitária.Creio que seja altamente válida essa nova formatação da dança de rua no Brasil. O que me inquieta é que, paradoxalmente, alijamos do processo as pessoas que, de fato, conseguiram produzir o híbrido a partir dessas referências externas, que longe de reproduzir um modelo, criaram formas outras de expressão lidando com esses códigos. Sujeitos que, mesmo sem possuírem uma formação acadêmica, efetivaram em seus corpos apropriações riquíssimas em que, ao invés de se ter uma sobreposição de nomes e movimentos reconhecíveis de danças específicas, produziam um corpo múltiplo, com possibilidades mil.Para aqueles que reclamaram tanto do “modelão” de meados da década de 1990, está na hora de rever novamente seus conceitos de danças urbanas, pois elas não são em sua unanimidade estrangeiras. Em determinado momento de nosso percurso, “abrimos mão” de algo que construímos para adotar, assimilar e glorificar como “autênticos” os padrões norte-americanos das danças urbanas. Paremos para assistir às apresentações dos grupos atualmente atuantes na cena brasileira da dança de rua. O que temos são modelos, que devem ser seguidos à risca. Caso contrário, o artista estará fadado ao fracasso no interior da lógica da dança de rua hoje operante.Temos que nos atentar um pouco mais não às formas e seus processos de produção, circulação, veiculação, mas antes de tudo, ao processo de apropriação. Como as pessoas se utilizam dessas informações vindas – extra – território nacional, antes mesmo de tentarmos enquadrá-las às exigências estritamente formais. Da mesma forma com que lidamos com micro formas de disciplinarização, existe uma prática outra, micro, realizada no meio social, em que os populares se utilizam dessas informações, gerando mil maneiras de fazer. Trecho retirado do release do curso de extensão universitária sobre Dança de Rua da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que apresenta os diferentes estilos das danças urbanas como sendo (street dance): Funk, Rocking, Locking, Popping, Breaking, Hip Hop Dance, House Dance, Dance Hall e Krump; assim como as suas subdivisões. Incluo nessa nomenclatura desde aqueles autodidatas, perpassando por estudiosos que lidam com a reprodução de técnicas de dança em escolas, grupos e cias de dança, até intelectuais vinculados à academia. Trata-se da compreensão de um formato de evento onde pessoas que possuem formações distintas e específicas, interferiram historicamente em múltiplas formas de dança, cada qual com suas historicidades e peculiaridades, mas que receberam avaliações, recomendações, sugestões de pessoas que estão muito aquém de compreender o significado de suas danças. Ao investigar o processo de construção e consolidação das danças urbanas no território norte-americano, o processo é similar ao ocorrido no Brasil até meados da década de 1980. A diferença se fez quando um grupo de praticantes daquele país conseguiu organizar e codificar passos, gestos, posturas, um padrão de movimentação, dado reconhecimento e legitimidade via registro escrito e audiovisual aos seus primeiros praticantes. Tornando palpável perceber o processo de construção de suas danças. Fato este que não ocorreu no Brasil, não dispôs de amparo acadêmico, midiático, intelectual para forjar o alicerce em que se assentavam as nossas diversas formas de usos e apropriações, que formava e expressava-se esteticamente como outra.
Ou seja, o texto aqui apresentado trata antes de uma preocupação, de um diagnóstico e de um posicionamento político acerca da dança de rua, e não de uma reflexão oriunda de um estudo teórico-metodológico.Trata-se da existência de um curso de extensão universitária sobre “Danças Urbanas” que foi implementado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) neste segundo semestre de 2009 e comandado pela Cia. Eclipse, representada pela profª. Ana Cristina Ribeiro Silva juntamente com a profª. Holly Elizabeth Cavrell (USA). A realização deste curso me deixou ambiguamente surpreso ao perceber que seu release propõe “uma abordagem teórica e prática onde estudaremos e pesquisaremos os diferentes estilos das danças urbanas”.Por um lado, é interessante perceber e reconhecer que existe uma ampla prática de danças urbanas, em suas diferentes ramificações, em todo território nacional brasileiro, que torna legítima a presença de seus praticantes em ministrar aulas para acadêmicos vinculados às instituições superiores de ensino – mesmo não levando em consideração seus usos, que podem ser desde a mera reprodução por meio de aulas futuras em que essas pessoas poderão utilizar-se deste material, até as interferências cênicas em que se implodem e/ou se manipulam os códigos oriundos das danças de rua em linguagens outras, que historicamente concordamos em aglomerar numa nomenclatura escorregadia, ora específica demais, ora ampla demais, denominada de dança contemporânea. Sendo ambas viáveis e praticáveis em diferentes níveis.Por outro lado, ao atentarmos para a ementa do curso sobre dança de rua ora proposto, percebemos o grande embaraço e falta de reconhecimento do processo histórico que forjou os praticantes da dança de rua ao longo das últimas duas décadas e meia no Brasil. Como assim? Em meados da década de 1980, a sociedade brasileira começou a experienciar um fenômeno, sempre particular e local, que posteriormente recebeu a nomenclatura de dança de rua. Tal manifestação cultural dançante, desde suas primeiras aparições, funcionava numa dinâmica de diálogo com referências corporais múltiplas, tais como: Funk, Soul, Jazz Dance e Break (existem aqueles que preferem falar em contaminação). Cabe ressaltar que tais meios são de matrizes negras africanas, mas que se modificaram no território hoje conhecido como Estados Unidos da América.Todavia, o acesso a essas referências vem de forma fragmentada e pouco estruturada via meios de comunicação de massa e trocas gestuais por meio da observação em bailes realizados nas periferias de todo Brasil. A questão é que: no cenário nacional, existiram pessoas que deram início a essas práticas de forma apropriada, gerando uma estética peculiar, na qual mesclava-se diversas referências de movimentos, pensamentos, vivências, gestos e reconhecimento social via dança. Essa nova forma de dança ganhou visibilidade por meio do circuito de festivais competitivos já em fins da década de 1980. Espaço este que interferiu de forma crucial na formatação e legitimação do que seria a dança de rua no Brasil. Inclusive a nomenclatura Dança de Rua foi instaurada não por seus praticantes, mas por “especialistas” curadores, jurados e toda “rapa” que se fazia sempre presente e notável naqueles festivais.No decorrer da década de 1990, eis que aparece um grupo da cidade de Santos-SP que forneceu uma fórmula do que seria “A” dança de rua. Novamente, quem gera e consolida esse modelo não são seus praticantes, mas os “especialistas”, que por meio de premiações, moções, convites vão gradativamente fornecendo as bases para uma dança de rua “aceitável”, aquela que se aproxima mais dos modelos tradicionais da dança ocidental.Passado esse momento, surge um grupo de pessoas, oriundos da dança de rua, que passa a ocupar os lugares onde se fornecem legitimação estética à dança de rua, dando inicio a cursos, palestras, workshops, realizando apresentações e principalmente, sendo jurados de festivais competitivos. Reforçando cada vez mais o “modelão” da dança de rua.Esse processo gerou uma insatisfação dupla: tanto os “especialistas” quanto os praticantes da dança de rua se voltaram contra esse formato fechado e chapado do que deveria ser a dança de rua no Brasil. Houve uma necessidade mútua, uma busca para tornar possível a renovação dessa forma de dança em nosso território nacional. Entretanto, a falta de estudo, pesquisa, de compreensão dos processos de apropriação cultural, mediação, re-significação, incorporação por ambas as partes, impossibilitou a percepção do processo que já vinha sendo realizada desde início da década de 1980, tornando cômodo, preguiçoso e viável a adoção dos “new models” norte-americanos. Verdadeiros “alcorões” das danças urbanas, onde se encontra nomenclaturas, tutoriais, enfim, danças urbanas formatadas, fechadas e passível de reprodução. Convidamos seus “messias”, exaltamos seus “santos”, abrimos espaços para seus “apóstolos” brasileiros pregarem a palavra sagrada do hip hop. Como é lindo ver um Freestyle, New School, Krump, B.boying, Locking, Popping tudo muito bem organizado e bem acabado. Agora estamos embasados teoricamente e corporalmente para oferecermos um curso de extensão universitária.Creio que seja altamente válida essa nova formatação da dança de rua no Brasil. O que me inquieta é que, paradoxalmente, alijamos do processo as pessoas que, de fato, conseguiram produzir o híbrido a partir dessas referências externas, que longe de reproduzir um modelo, criaram formas outras de expressão lidando com esses códigos. Sujeitos que, mesmo sem possuírem uma formação acadêmica, efetivaram em seus corpos apropriações riquíssimas em que, ao invés de se ter uma sobreposição de nomes e movimentos reconhecíveis de danças específicas, produziam um corpo múltiplo, com possibilidades mil.Para aqueles que reclamaram tanto do “modelão” de meados da década de 1990, está na hora de rever novamente seus conceitos de danças urbanas, pois elas não são em sua unanimidade estrangeiras. Em determinado momento de nosso percurso, “abrimos mão” de algo que construímos para adotar, assimilar e glorificar como “autênticos” os padrões norte-americanos das danças urbanas. Paremos para assistir às apresentações dos grupos atualmente atuantes na cena brasileira da dança de rua. O que temos são modelos, que devem ser seguidos à risca. Caso contrário, o artista estará fadado ao fracasso no interior da lógica da dança de rua hoje operante.Temos que nos atentar um pouco mais não às formas e seus processos de produção, circulação, veiculação, mas antes de tudo, ao processo de apropriação. Como as pessoas se utilizam dessas informações vindas – extra – território nacional, antes mesmo de tentarmos enquadrá-las às exigências estritamente formais. Da mesma forma com que lidamos com micro formas de disciplinarização, existe uma prática outra, micro, realizada no meio social, em que os populares se utilizam dessas informações, gerando mil maneiras de fazer. Trecho retirado do release do curso de extensão universitária sobre Dança de Rua da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que apresenta os diferentes estilos das danças urbanas como sendo (street dance): Funk, Rocking, Locking, Popping, Breaking, Hip Hop Dance, House Dance, Dance Hall e Krump; assim como as suas subdivisões. Incluo nessa nomenclatura desde aqueles autodidatas, perpassando por estudiosos que lidam com a reprodução de técnicas de dança em escolas, grupos e cias de dança, até intelectuais vinculados à academia. Trata-se da compreensão de um formato de evento onde pessoas que possuem formações distintas e específicas, interferiram historicamente em múltiplas formas de dança, cada qual com suas historicidades e peculiaridades, mas que receberam avaliações, recomendações, sugestões de pessoas que estão muito aquém de compreender o significado de suas danças. Ao investigar o processo de construção e consolidação das danças urbanas no território norte-americano, o processo é similar ao ocorrido no Brasil até meados da década de 1980. A diferença se fez quando um grupo de praticantes daquele país conseguiu organizar e codificar passos, gestos, posturas, um padrão de movimentação, dado reconhecimento e legitimidade via registro escrito e audiovisual aos seus primeiros praticantes. Tornando palpável perceber o processo de construção de suas danças. Fato este que não ocorreu no Brasil, não dispôs de amparo acadêmico, midiático, intelectual para forjar o alicerce em que se assentavam as nossas diversas formas de usos e apropriações, que formava e expressava-se esteticamente como outra.
por Rafael Guarato
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